Antonella Pareschi, chefe da Divisão de Música do Theatro Municipal, defende importância do corpo de músicos próprio da Casa para a Cultura
Por SECEC-RJ em 25/08/2021
– A Orquestra Sinfônica do Municipal está completando 90 anos. Qual é o significado dessa longevidade?
– A Orquestra foi criada oficialmente no dia 2 de maio de 1931 e sua primeira apresentação ocorreu em 5 de setembro do mesmo ano. Estamos comemorando os 90 anos dessas duas datas e preparando uma programação especial, com repertório dedicado a Mozart [Acompanhe a divulgação da programação através das redes sociais do Theatro]. Acredito que é um feito e uma vitória para a orquestra ter sobrevivido tanto tempo, tendo em vista a pouca valorização da Cultura no país.
– Qual é a importância para a Casa ter um corpo de músicos próprio como acontece com o Municipal nessas nove décadas?
– A importância para a Casa ter um corpo de músicos próprio é muito além de termos um emprego público com estabilidade. Na verdade quando o Estado tem uma casa onde óperas, balés e concertos sinfônicos são idealizados tendo seu apoio significa que em teoria a valorização da Cultura é reconhecida. O país precisa desse tipo de valorização pois sem a arte um povo não evolui, não cresce, não se desenvolve. Assim como qualquer profissão, o Theatro Municipal abrange profissionais de alto gabarito em todos os seus setores, inclusive técnicos e administrativos. E ter a casa funcionando como um todo é uma vitória. O que lutamos por décadas é por não deixarmos a peteca cair. Precisamos sempre de renovação dos quadros e buscamos concursos assim como em qualquer setor. Com um quadro estável a programação pode fluir com muito mais sucesso e unidade sonora propriamente dita.
– O que é necessário para se chegar ao nível da Orquestra?
– Muito estudo, desde cedo. Em muitas profissões as pessoas precisam apenas de alguns anos de faculdade para exercê-las, mas os músicos têm que se dedicar praticamente uma vida inteira para obter um reconhecimento. No meu caso, comecei a estudar violino aos 6 anos em casa com o meu pai, o violinista Giancarlo Pareschi, que era italiano e que fez parte da Orquestra, chegando a ser spalla. Ele era muito rígido e eu tinha que estudar diariamente no fim da tarde, inclusive nos fins de semana e feriados. Também paguei aulas particulares até os 33 anos e fiz Curso de Aperfeiçoamento em Violino Solista na Itália, com o professor Domenico Nordio. É um investimento incalculável, que nem sempre traz o retorno financeiro que merecemos, mas amamos o que fazemos.
– Como está sendo a experiência das apresentações online durante a pandemia?
– Ainda estranho o fato de tocar sem o público, mas é também uma situação que tem a ver com a modernidade e que foi forçada pela pandemia. Essa programação está proporcionando a expansão do público do Municipal. Acredito que estamos prestando um papel muito relevante para a sociedade nesse momento de isolamento porque a música é um entretenimento benéfico para as pessoas. Porém, ainda enfrentamos o desafio de realizar essas execuções cumprindo os protocolos, o que não é fácil. Por outro lado, acho que essa situação está forçando o Theatro a criar um acervo de apresentações gravadas, um investimento que nunca tinha sido feito. Ao longo desses 90 anos, ocorreram poucas apresentações gravadas, com recursos tecnológicos insuficientes. Espero que as gravações continuem, mesmo com a volta do público.
– Nesses 90 anos da Orquestra que nomes destacaria como regentes?
– Um momento muito marcante para mim e para praticamente todos os músicos foi o fato da Orquestra ter sido regida pelo Rostropovich [russo Mstislav Rostropovitch (1927-2007)]. Ele foi um violoncelista admirável e a presença dele no palco regendo teve um impacto muito grande.
– Como é sua relação com a música popular? O erudito convive bem com ela?
– O convívio é mais harmonioso do que parece. Estamos sempre participando de gravações de música popular. Muita gente não sabe mas já toquei em gravações do Zeca Pagodinho, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Joana, Djavan, do famoso disco de Natal da Simone, Sandy e Júnior, Skank, Jota Quest, Titãs… Uma infinidade de artistas populares. Até na Itália meus parentes reconhecem meu nome nos CDs da Laura Pausini. Participei também de um show do MC Sapão na Quinta da Boa Vista. Só falta a Anitta (risos). Eu adoro. Também gravamos para trilhas de filmes, comerciais e novelas. Em “A Força do Querer”, quando a Bibi (personagem de Juliana Paes) sobe o morro se sentindo poderosa, sobe um som que eu gravei. As pessoas em sua maioria não se dão conta, mas sem a música do violino a cena não transmitiria a mesma sensação.
– O que falta para a música erudita se tornar mais popular e como a Orquestra poderia ajudar nisso?
– Há um mito de que o povo tem aversão à música clássica, mas isso não é verdade. Tanto que quando oferecemos ingressos a um real, formam-se filas e pessoas que não teriam condições de pagar o ingresso normal do Municipal aproveitam bastante. Mas acredito que poderíamos ter um programa mais amplo de formação de plateia e educacional, indo às escolas públicas e na periferia de uma forma geral. É algo que exigiria investimento e talvez se as empresas se interessassem em patrocinar conseguiríamos superar os entraves financeiros. Traria muito retorno para todos e teria um efeito positivo para a sociedade.