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A despedida de uma estrela do balé

Depois de quase quatro décadas dedicadas ao Municipal, a bailarina Cecília Kerche ganha e-book ao anunciar sua aposentadoria


A bailarina Cecília Kerche se despede do Municipal do Rio com a realização de uma live e a publicação de e-book.

Como a senhora recebe essa homenagem com a publicação do e-book “Uma bailarina made in Brazil”?

Foi uma surpresa. Até porque nós não temos no país esse hábito de se preservar a memória. Tanto que o Theatro Municipal realizou já diversos espetáculos memoráveis e recebeu grandes estrelas, mas não houve filmagem desses eventos. Até das minhas atuações há pouco registro e só tenho conhecimento de gravações que não foram oficiais. Pelo menos, pelo e-book será possível, principalmente os mais jovens, verem o que as outras gerações assistiram presencialmente, através das fotos e dos textos. Haverá nesta quarta-feira uma live que participarei. [Pode ser acompanhada a partir de 06/10, às 19h, no canal do YouTube do Theatro Municipal pelo link ou pelo Facebook no link]. Foram 37 anos de uma carreira limpa, de amor à arte e de devoção a um teatro. O Theatro Municipal me fez mudar para o Rio, mudou o curso da minha, pois tudo o que eu queria era ser a primeira bailarina dessa casa.

E qual era o significado do Municipal para uma jovem bailarina vinda do Interior?

Era o meu maior sonho desde a adolescência pertencer ao Theatro Municipal do Rio. É o mesmo que uma criança que começa a estudar balé em Moscou e sonha em pertencer ao Bolshoi. Foi o resultado de muito empenho próprio de anos, do apoio da minha família e depois do meu marido [professor Pedro Kraszczuk], que conheci aos 13 anos. Fiz o concurso em 1981 e no ano seguinte comecei no Corpo de Baile. Me determinei para isso e para depois vir a ser a primeira bailarina dessa que era a única companhia clássica do país.

Como se deu o início de sua carreira internacional?

Ocorreu através da Natalia Makorova que veio ao Brasil para montar um balé e ficou apaixonada quando me viu dançar e me convidou para participar de um documentário sobre a vida dela. Segundo ela, eu era a pura bailarina clássica. Foi como estender o tapete vermelho para o Oscar. Eu admirava demais o trabalho dela e sua forma de interpretar e de dançar muito próprios. Depois ocorreram diversos convites internacionais, a começar pelo “La Bayadère”, no Teatro Colón de Buenos Aires, no início dos anos 1990.

Tendo pisado nos palcos mais importantes do mundo em quatro continentes, não surgiu uma tentação de ingressar numa companhia internacional?

Pertenci ao Theatro Municipal numa época em que era efervescente. Tinham óperas e balés extraordinários, riquíssimos em suas produções. Não sentia falta de sair do meu país. Sentia falta do contato com outros bailarinos e de buscar novas experiências do exterior, mas não para ficar. Dancei ao lado dos bailarinos mais renomados e icônicos do balé clássico. Fui muito feliz na minha carreira.

De todo o repertório do balé clássico, há algum que lamente por não ter dançado?

Uma bailarina é sempre inquieta e tem vontade de fazer coisas diferentes, mas o que realmente me fez falta foi não ter dançado “A Dama das Camélias”. Cheguei a conversar com o Neumeier [coreógrafo John Neumeier] sobre essa possibilidade, mas ele já não saía da Europa e não foi para frente. Por esse motivo tenho essa frustração e não estou completa como artista.

– No entanto, a senhora dançou quase todo o repertório clássico. O balé “Giselle” ainda é seu favorito?

Sim. Foi o primeiro que dancei completo. Foi na minha formatura e ao lado do meu marido. Depois o dancei na Rússia, na Inglaterra e fiz vários papéis diferentes desse balé. Até hoje a música dele não me sai da cabeça.

A senhora está se aposentando do Theatro Municipal e qual é a sensação de estar encerrando esse vínculo?

Estou me aposentando como funcionária pública do Estado do Rio, mas já me despedi dos palcos em 2016 e depois só dancei papéis pequenos. Desde os 30 anos eu dou aulas, palestras, sempre fiz parte de comissões de júri e dei consultoria. Meus planos para o futuro são trabalhar para passar às outras gerações o que aprendi. Enquanto restar esse encanto pela dança, vou me dedicar a ela.

E o que aconselharia aos jovens bailarinos que estão começando?

Eu aconselho a ter persistência, tenacidade, disciplina. Tudo depende de ser vocacionado para a dança e ter dedicação. Não é para pensar em status, em agradar a família. É para seguir um objetivo profissional e de carreira.