fbpx

Nos cem anos de Clarice Lispector, ela continua adorada e celebrada


Este é o ano do centenário de Clarice Lispector. A escritora nasceu na Ucrânia e veio com a família refugiada ainda bebê para o Brasil, que tomou como sua pátria, tornando-se uma das vozes mais conhecidas da cultura brasileira. Ela conquistou um público amplo e fiel de leitores e permanece celebrada pelos estudiosos de sua obra, como acontece agora, ao se comemorar seu aniversário em universidades e centros de cultura de diversos países, onde sua obra é destacada.

A adoração à grande e enigmática dama da literatura brasileira do século XX sempre foi intensa. “Clarice vive hoje um culto de sua imagem, mais do que de sua literatura”, destaca Yudith Rosenbaum, professora de literatura brasileira da Universidade de São Paulo e autora de dois livros sobre a escritora. “Por não conceder entrevistas, por ter se isolado e cercado sua vida de mistério e por preferir o silêncio às falas vazias, a escritora criou ao redor de si uma aura de inacessibilidade ao lado de uma legião de fãs idólatras”.

Através da atuação do escritor e historiador norte-americano Benjamin Moser, Clarice experimentou recentemente um novo renascimento. Moser é o autor de uma Clarice, Uma Biografia. Por acaso, ele descobriu seus livros enquanto estudava literatura de Língua Portuguesa, apaixonando-se por ela e por sua obra imediatamente.

Moser a compara a Franz Kafka e Baruch Espinoza. O livro biográfico sobre Clarice foi nomeado pelo National Books Critics Circle Award e traduzido para diversos idiomas.  Em 2015, foi responsável pela coletânea de contos da escritora em inglês — The Complete Stories —, lançada pela editora New Directions nos Estados Unidos. A edição recebeu boas críticas e esteve na lista dos 100 melhores livros do The New York Times do mesmo ano. Em 2016 Moser recebeu na Festa Literária Internacional de Paraty o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural, concedido pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil

Clarice começou a escrever ainda muito jovem e desde então apresentou uma produção literária complexa e delicada e muito dificil de se classificar. Com o primeiro livro “Perto do Coração Selvagem”, obra que escreveu aos 19 anos, e que lhe valeu o Prêmio Graça Aranha de melhor romance, obteve grande sucesso de crítica e avaliações positivas. O escritor Antônio Cândido, à época, saudou a estreia da escritora, exaltando sua performance como da melhor qualidade: “A escritora – ao que parece uma jovem estreante – colocou seriamente o estilo e a expressão”.

Dona de uma personalidade forte e exuberante, era uma mulher elegante, vestia roupas sob medida e usava grandes óculos escuros, que lhe conferiam um ar de estrela de cinema. Ela ultrapassou a condição inicial de refugiada para se tornar uma lendária personalidade do Rio de Janeiro de seu tempo. Mas, desde a infância, sempre teve a existência marcada por acontecimentos fortes.

De origem judaica russa, ela nasceu em 10 de dezembro na Ucrânia, com o nome de batismo de Chaya. Quando tinha apenas dois meses de idade, toda a família fugiu dos antissemitas, primeiro para a Moldávia e depois para a Romênia. Mais tarde, em 1922, com seus pais e as duas irmãs, desembarcou em Maceió. Seu nome foi então abrasileirado para Clarice.

Em 1924, a família mudou-se para Recife. Aos oito anos, Clarice perdeu a mãe. Três anos depois, a família transferiu-se para o Rio de Janeiro. Apesar de ter sido criada em um ambiente cheio de vulnerabilidades, Clarice teve uma educação muito diferente das meninas economicamente menos favorecidas. Conseguiu entrar num dos redutos da elite daquela época, a Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, onde não havia judeus e apenas três mulheres universitárias. Formou-se em 1943.

 No mesmo ano, casou-se com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem viveu muitos anos fora do Brasil até que se separaram em 1959. Então, Clarice retornou ao Rio de Janeiro, onde retomou a atividade de jornalista. No final da década de 60, publicou no Jornal do Brasil artigos mais pessoais, que tornaram seu nome popular. O cão Ulisses, que aparecia nesses relatos, tornou-se uma lenda na cidade, como um dos poucos elos com a realidade brasileira, já que ela praticamente não falava de temas locais e nacionais.

Tida como uma pessoa ansiosa e com tendência à depressão, um fato intensificou essa parte de sua personalidade. A escritora dormiu com um cigarro aceso e seu quarto foi destruído. Sofreu queimadura em várias partes do corpo e ficou internada durante muitos meses. A mão direita foi afetada e quase perdeu a mobilidade. O acidente abalou seu estado de ânimo e as cicatrizes no corpo causaram continuas depressões.

Na década de 70 dedicou-se a publicar livros infantis e algumas traduções. Reconhecida pelo público e pela crítica, em 1976, recebeu o prémio da Fundação Cultural do Distrito Federal, pelo conjunto da obra. No ano seguinte, publicou seu último romance, “A Hora da Estrela”, adaptado para o cinema, em 1985. Na véspera de completar 57 anos, em 9 de dezembro de 1977, Clarice Lispector morreu, vítima de câncer.

Algumas de suas principais obras:

·       Perto do coração selvagem (1942)

·       O Lustre (1946)

·       A Cidade Sitiada (1949)

·       Laços de Família (1960)

·       A Maçã no Escuro (1961)

·       A Legião Estrangeira (1964)

·       A Paixão Segundo G. H (1964)

·       Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969)

·       Felicidade Clandestina (1971)

·       Água Viva (1973)

·       A Imitação da Rosa (1973)

·       Via Crucis do Corpo (1974)

·       Onde Estivestes de Noite? (1974)

·       Visão do Esplendor (1975)

·       A Hora da Estrela (1977)