“Eu venho aqui em defesa da bossa nova, dizer que a bossa nova é brasileira. Muito brasileira”, afirmou Antônio Carlos Jobim no dia 25 de agosto de 1967 ao participar da série histórica Depoimentos para a Posteridade, do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. No dia 25 de janeiro é celebrado o nascimento de Tom Jobim (25/01/1927), e o Dia Nacional da Bossa Nova. Para marcar a data, o MIS RJ destaca trechos marcantes da entrevista exclusiva do cantor e compositor, que teve duração de três horas.
A afirmação de que a bossa nova é brasileira foi feita no momento em que Tom Jobim e os participantes da gravação (Vinicius de Moraes, Oscar Niemeyer, Raimundo Vanderlei, Dorival Caymmi e Chico Buarque, além de Ricardo Cravo Albin, diretor do MIS, à época) falavam sobre o surgimento do gênero musical que ficou conhecido no mundo todo. O tema em questão era a suposta influência exercida pelo jazz norte-americano na musicalidade “bossa novista”. Segundo Tom, se houve influência, ela foi inversa, ou seja, para o compositor, a bossa nova influenciou o jazz.
“Nós temos a atitude dos subdesenvolvidos em relação a essas coisas. Quer dizer, nós temos a atitude do ‘deixa para lá’. E eles, vamos dizer aí no caso dos Estados Unidos, têm a atitude do ‘venha a nós’, a atitude do rico”, afirmou Tom durante o depoimento, referindo-se a diferença de postura percebida por ele no momento em que a construção da narrativa sobre o surgimento do novo estilo musical acontecia, na década de 1950.
Na descrição de Tom Jobim, a bossa nova foi uma consequência da mudança de comportamento no cenário musical que, por conta da evolução tecnológica, passou a trabalhar mais com gravações. Segundo ele, a raiz da bossa nova é o samba, e a mudança nos acordes do violão, bem como a redução da quantidade de instrumentos usados na interpretação das canções (características do gênero musical que estava nascendo) tem origem, para além das questões comportamentais (de amigos que se reuniam em apartamentos para fazer música), na tendência dos artistas de frequentarem mais os estúdios.
O cantor e compositor ressaltou que havia uma necessidade de “limpeza”, da mudança do que ele chamava de “excesso de acompanhamento” (vários instrumentos sendo tocados ao mesmo, uma característica do samba) para um som mais “purificado”, o que era possível com o uso de apenas um violão.
As composições de Tom Jobim aliadas à poesia de Vinicius de Moraes estão entre os marcos do início da bossa nova. Uma delas é “Canção do Amor Demais”, que deu nome ao LP gravado por Elizeth Cardoso, em 1958. O MIS RJ salvaguarda fotos da cantora na ocasião do lançamento do disco. Somente o setor iconográfico do museu, que é responsável pela preservação e tratamento técnico de fotografias, negativos, cartazes, pinturas e álbuns impressos, reúne 171 itens relacionados a Tom Jobim.
No setor de partituras, uma raridade: a composição manuscrita da música “Serenata do Adeus” assinada pelo próprio autor, Tom Jobim, e que também fez parte do LP considerado um dos precursores da bossa nova. O MIS RJ salvaguarda 177 partituras ligadas ao cantor e compositor. Algumas músicas do álbum de Elizeth, como “Canção do Amor Demais” e “Por Toda a Minha Vida”, tiveram o acompanhamento do violão de João Gilberto. Um clássico exemplo do que queria dizer Tom sobre a “purificação do som”.
“O João chegou assim com… foi um refresco aquilo, né? Aquela coisa do João, e já naquele disco da Elizeth, ele mandou aquela brasa, aquele violão limpo dele, com aquele ritmo formidável e o negócio começou a mudar muito”, pontuou Tom Jobim em seu testemunho ao MIS, definindo João Gilberto como “um cara de uma musicalidade espantosa e de uma inteligência terrível”.
A participação de Tom Jobim na série Depoimentos para a Posteridade foi amplamente divulgada na imprensa, em especial, nos jornais impressos da época. Muitos registros estão salvaguardados no setor institucional do Museu da Imagem e do Som. O Correio da Manhã publicou, no dia 26 de agosto de 1967, a reportagem com o título “Tom defende bossa brasileira e ataca cultura secreta”. Na mesma data, o jornal O Globo registrou o depoimento com o título “Tom depôs no museu ajudado por Vinicius”, enquanto o Jornal do Brasil publicou a matéria “Depoimento de Tom teve muito uísque e histórias sobre Ipanema e Sinatra”.
O cantor e compositor está entre os artistas brasileiros mais conceituados do mundo. Tom Jobim teve obras gravadas em diversos idiomas. Dentre as mais famosas está “Garota de Ipanema”, de 1962, que ganhou inúmeras versões e inspirou o filme com mesmo nome. Tom Jobim gravou discos nos Estados Unidos, sendo um deles com Frank Sinatra. Ganhou prêmios e fez parcerias de peso. Aos 40 anos, idade que tinha ao dar seu testemunho para o projeto do MIS RJ, destacou os nomes mais presentes no início de sua carreira.
O primeiro a ser citado é Newton Mendonça, parceiro profissional e amigo de infância das ruas do bairro de Ipanema (Tom nasceu na Tijuca e a família se mudou para a Zona Sul do Rio quando ele tinha apenas 1 ano). Em seu relato, Tom afirma que é preciso ter uma afinidade muito grande para formar uma parceria. Ele conta que a ligação entre ele e o amigo era tão forte que dispensava palavras para o processo criativo.
“(…) nunca nós comentamos isso, mas, ficou mais ou menos, a máquina nossa funcionava mais ou menos assim. Quer dizer, eu sentava no piano e ele pegava o caderno. O famoso caderno, aquele caderninho… e ele era um sujeito muito lúcido, muito informado, lia muito e zangado com o mundo, não é, Vinicius?”, disse Tom, pedindo a opinião de mais um parceiro essencial na carreira. Vinicius de Moraes, Tom e os entrevistadores lembraram dos sucessos “Desafinados”, “O Samba de uma nota só”, “Foi a noite” e “Meditação”, que nasceram da sinergia entre os dois gênios (Tom e Newton Mendonça) da música.
Durante o Depoimento para a Posteridade, Vinicius também falou sobre seu encantamento ao ouvir Tom tocar pelas primeiras vezes. A canção responsável por fazer os olhos de Vinicius de Moraes brilharem foi uma das parcerias com Newton Mendonça, que morreu ainda jovem, aos 30 anos, de enfarto.
“(…) me causou uma impressão muito grande. Quer dizer, era um som que me parecia um som diferente do que estava se fazendo. Compreende? Você tinha feito ‘Foi a Noite’, não tinha?”, questiona Vinicius, que recebe a resposta positiva de Tom. Na conversa, Tom também destaca sua admiração por Vinicius de Moraes, e revela que o observava durante as apresentações no Clube da Chave, em Copacabana. Ambos recordam ainda que se aproximaram após serem apresentados por Lúcio Rangel.
“(…) no início, nós fizemos, assim, uns três ou quatro sambas bem desajeitados, sabe? E eu me lembro que eu falava com o Vinicius: ‘Vinicius, vamos fazer mais desses ruins, que depois vai soltar, né?”, afirmou Tom na gravação exclusiva do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, de 1967, arrancando risos dos que estavam presentes.
O setor sonoro do MIS salvaguarda a contracapa do LP “Canção do Amor Demais”, gravado por Elizeth Cardoso, com dedicatória manuscrita de Vinícius de Moraes para Lúcio Rangel. O item faz parte da Coleção Lúcio Rangel.
Ao todo, o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro possui 5.373 itens relacionados a Tom Jobim em seu acervo. Uma das raridades é o cartão de identificação dele como empregado da Rádio Club do Brasil na função de pianista. O documento está salvaguardado na Coleção Almirante. O MIS RJ preserva ainda fotos, livros, músicas, partituras, discos, entrevistas em áudio e vídeo, além de objetos que são verdadeiras preciosidades, algumas únicas, que mantêm viva a memória desse brasileiro ícone da música. O presidente da instituição, Cesar Miranda Ribeiro, destaca o compromisso e a satisfação em preservar materiais tão ricos e importantes para a cultura brasileira.
“Estamos falando de um dos artistas com maior projeção no mundo e parte da sua vida e obra está aqui, no Rio de Janeiro, no Museu da Imagem e do Som. Somente no setor sonoro, são 4.466 itens relacionados a Tom Jobim. A comemoração de hoje – Dia Nacional da Bossa Nova e aniversário de Tom Jobim – é muito especial para o MIS RJ, como entidade que possui o maior acervo de MPB do país e que prima pela cultura nacional”, destacou Cesar Miranda.
Todo o acervo do museu, equipamento vinculado à Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro (Secec-RJ), está à disposição do público e dos pesquisadores. Para acessar o material basta enviar e-mail para saladepesquisa@mis.rj.gov.br e agendar uma visita ao Centro de Pesquisa e Documentação Ricardo Cravo Albin.